Texto por Portal Química – Redução generalizada da Tarifa Externa Comum do Mercosul pode elevar para 60% a participação dos importados no mercado químico e comprometer PIB de toda a indústria brasileira.
A indústria química e diversos setores industriais brasileiros serão frontalmente afetados caso o governo brasileiro e dos demais países do Mercosul – Argentina, Paraguai e Uruguai – façam um corte generalizado das alíquotas de importação sobre os produtos industriais sem que estejam garantidas e implementadas as condições de competitividade com as reformas estruturantes da economia e com os choques de produtividade.
O corte tarifário em conjunto com os demais países do Mercosul, em termos técnicos, se refere à redução generalizada da Tarifa Externa Comum (TEC), pilar da união aduaneira regional. No início do ano, foi dado mandato técnico para que as delegações dos países membros elaborassem uma proposta, até o momento jamais circulada em consulta ao setor privado e à sociedade civil organizada, e que pode avançar para uma conclusão puramente política no encontro de cúpula presidencial do bloco, agendado para os dias 4 e 5 de dezembro, em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, sem que tenha havido um amplo e estruturado diálogo com os setores produtivos do Mercosul.
Segundo nota da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a proposta apresentada pelo Brasil aos parceiros do Mercosul é de um corte superior a 50% do imposto de importação. De acordo com estudo, contratado pela CNI junto ao Centro de Estudos de Política da Universidade de Victoria, na Austrália, um corte abrupto de 50% reduzirá o Produto Interno Bruto (PIB) de pelo menos 10 dos 23 setores industriais até 2022, prejudicando a retomada do crescimento e a redução do desemprego.
No caso da química, especificamente, os atuais níveis de abertura comercial do Brasil são coerentes com aqueles ditos como melhores práticas dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e de outros mercados equivalentes ao brasileiro em termos de indústria química.
A indústria química, representada pela Abiquim, é favorável ao estabelecimento de uma política comercial externa responsável e consequente, que privilegie uma postura negociadora, seja em nível multilateral (Organização Mundial do Comércio), com parceiros estratégicos (União Europeia, Canadá, México etc) e até mesmo em bases voluntárias em nível nacional.
A diretora de assuntos de Comércio Exterior da Abiquim, Denise Naranjo, cita como exemplo de abertura responsável o processo de revisão da TEC setorial realizado pela Associação, em parceria com a Cámara de la Industria Química Y Petroquímica (CIQyP), da Argentina, e com a Asociación de Industrias Químicas del Uruguay (Asiqur), do Uruguai, que tiveram a aprovação pelo Mercosul, depois de três anos de tramitação no bloco, do processo voluntário de revisão das tarifas para 49 produtos químicos. A decisão contempla itens com compras anuais de US$ 158 milhões pelo bloco, significando uma economia de mais de US$ 10 milhões por ano com a eliminação de impostos de mercadorias que deixaram de ser fabricadas no Mercosul.

O nível de exposição da química é dos maiores entre todos os segmentos industriais, sendo que em média, 41% da demanda de produtos químicos provêm do exterior, com importações que em 2018, foram de US$ 43 bilhões, a uma tarifa nominal média de 7%, que chega a um patamar efetivo de aproximadamente 3,5%, quando aplicados regimes aduaneiros especiais e preferências comerciais.
O setor químico brasileiro, além de ser indiscutivelmente um dos mais abertos de toda a economia nacional, é também estratégico para o País em termos de investimentos, tecnologia e de defesa nacional, com ativos instalados da ordem de centenas de bilhões de dólares, consubstanciados em cadeias produtivas estratégicas presentes apenas em alguns lugares do mundo, gerando duzentos mil empregos diretos, altamente qualificados, e mais de 2 milhões de indiretos, e garantidor da existência de uma forte indústria de bens manufaturados, pois sem “building blocks” não existe indústria de transformação dentro da própria cadeia de agregação de valor na química.
Para o setor é necessário superar fatores que impossibilitam usufruir de condições justas de competitividade antes de promover reduções tarifárias das mercadorias fabricadas no Brasil. É necessário reduzir a elevada carga tributária, os custos de matéria-prima e energia e melhorar a estrutura logística, que segundo dados de levantamento de 2018, preparado pela própria secretaria-executiva da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), colegiado agora estruturalmente dentro do Ministério da Economia, respondem por mais de 90% da queda da produtividade da economia brasileira.
A integração comercial ainda deve ser acompanhada por uma agenda de competitividade que contemple reformas estruturais como a da previdência, já aprovada pelo Senado, e tributária, além de estar de acordo com as normas internacionais, e que garanta a efetividade dos mecanismos de defesa comercial e identifique as diferenças e importâncias estratégicas dos setores envolvidos.
O setor acredita que o comércio exterior tem papel decisivo na retomada do desenvolvimento econômico sustentável, apoia os mecanismos de facilitação de comércio exterior e é favorável à inserção internacional em um processo alicerçado de planejamento, previsibilidade e diálogo público.
Para apresentar a posição setorial na direção de um processo de inserção internacional responsável, a Abiquim produziu o estudo “Uma agenda de competitividade para a indústria brasileira”, elaborado com o objetivo de apresentar uma agenda de competitividade adequada para o Brasil do ponto de vista da indústria química nacional, com base na visão do setor sobre o processo de inserção comercial brasileira concomitante às reformas assumidas pelo Governo, destacando a importância dos mecanismos de defesa comercial e a necessidade de reciprocidade nos relacionamentos institucionais do País com o resto do mundo, incluindo uma análise dos impactos positivos da indústria química na economia brasileira.
O estudo demonstra que a experiência internacional com liberalização comercial recomenda tempo e gradualismo, além de respeitar as características próprias de um setor que é estratégico para a toda a indústria nacional, intensivo em capital (com longo tempo de maturação do investimento e taxa de retorno inferior à média dos outros setores industriais); de processo contínuo (não sendo possível desligar uma operação temporariamente, devido às características de produtos e equipamentos de alto custo); organizada no conceito de uma rede complexa de cadeia produtiva e muito impactada por questões logísticas (elevada movimentação de carga) e de custo de matérias-primas e de energia.
Para a diretora da Abiquim, Denise Naranjo, o estudo materializa o compromisso do setor químico brasileiro com relação à agenda de inserção comercial responsável. “Estamos prontos para participar do debate e contribuir na elaboração de um programa de inserção comercial para um novo Brasil, que sirva até mesmo de modelo para outros países. Entendemos como condição indispensável que seja um processo condicionado e concomitante à redução drástica do custo Brasil, transparente, gradual, negociado, debatido publicamente com os setores, de forma a garantir segurança jurídica e sustentabilidade à competitividade e integração comercial brasileira”, analisa Denise.
Em um momento tão deliciado para a retomada sustentável do desenvolvimento econômico brasileiro, um processo generalizado de corte tarifário pode elevar para 60% a participação dos importados no mercado químico e comprometer o PIB de toda a indústria brasileira. É por isso que ele não pode em hipótese nenhuma ser conduzido de forma impositiva, sem diálogo com o setor privado e desconsiderando o nível de investimentos feitos, de potencial de faturamento, de arrecadação tributária e de geração de empregos.
Em síntese, tanto o presente quanto o futuro de toda a indústria brasileira, especialmente a química, estão em pauta e é exatamente por isso que o setor químico defende um processo de inserção internacional amparado em avaliação de impacto econômico e regulatório, dialogado, transparente e condicionado à redução progressiva do “Custo Brasil”.
Fonte original do texto: Portal Química